"tudo bem, isso é normal"

  Imagem de girl, cinema, and photography

  Quando a dor de parto se afasta do nosso ser, precisamos reconhece o que há sido gerado em nós. Eu sou brasileira, isso deveria dizer muita coisa, não sobre o protótipo caipirinha, samba e carnaval, mas sobre os motivos do meu choro, mas será que eu ainda choro? E, se eu choro, por que raios eu choro?
   Lembro quando eu era criança - não há muito tempo atrás - e era só ver uma arma que o corpo estremecia, congelava, até segurava a respiração de tanto medo, se alguém morresse, mesmo que você não conhecesse a pessoa, as casas se enchiam de tristeza, as portas se fechavam mais cedo, as crianças não brincavam em respeito, e medo, como se o ser humano não tivesse conseguido fugir mais uma vez da dona morte e em reverência a nossa perda curvávamos as nossas cabeças.  
   Há alguns anos atrás houve um tiroteio no meu bairro, um homem morreu na rua principal, seu sangue escorreu no asfalto e puseram um lençol fino e branco por cima, passei por perto nesta hora, a população em volta, cochichos em toda a região e uma vida perdida, isso foi em volta do meio dia. Durante a noite precisei passar pelo mesmo lugar e para minha surpresa: lugar limpo, corpo retirado, uma barraca de acarajé no lugar - se não no mesmo lugar algo bem próximo -, havia também pessoas comprando acarajé, andando para um lado e outro... Como se nada tivesse acontecido. As esquinas anunciavam "tá tudo bem, isso é normal!". Aquela cena foi uma flecha no meu coração.
     Dia após dia me alimentei dessa mesma comida, rasa, de zapear os canais da TV e ver que "namorado mata sua companheira em crise de ciúme" era a coisa mais normal,  era o que garantia o mundo de girar no eixo, tiroteio no Rio de Janeiro, graves acidentes no feriadão, político levando o dinheiro do povo, estrupo no Piauí, falta de comida no nordeste, uma baita lista de checklist mental sobre fatos que acontecem no País, parei de chorar, tornei-me aquelas pessoas que pegam o ônibus às  cinco da manhã e balanço a cabeça dizendo que só vai piorar. O coração duro, sem frestas, virou pedra para evitar a dor, virou pedra e causou o motivo  da dor.
 
MAS NADA DISSO É NORMAL.

21 milhões de pessoas traficadas pelo mundo, em sua maior parte mulheres, que tem relações com cerca de 20 homens diariamente não é normal. Adolescentes que se mutilam. 100 policiais mortos em menos de 30 dias. Pais que se recusam a dar a pensão a seus filhos. 7 milhões de pessoas não ter o que comer quando 6 pessoas concentram a riqueza de 100 milhões mais pobres do país não é normal. Viver sua  vida como se tudo estivesse bem também não é normal.  



somoservas

obrigada espírito santo

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