ainda sem título





era um beco sem viela, onde planta não cria raiz, o chão desnivelado,  sombrio,  ao lado da rua em que as crianças brincam e cantam se essa rua fosse minha - mas quem dá a rua para crianças? não era noite, era dia enquanto as pessoas saíam de suas casas para comprar o pão, e lá estava um pé de sandália com sangue no nome da marca, tão casual, simples, e como um corpo a ser velado desviavam-se o seu próprio corpo para não profanar o sagrado.

quando todo mundo assiste um filme, mas ninguém escreve a resenha, num silêncio mórbido de luto, onde a nata que cobria era o medo e na correria para fugir da morte, para fugir de um tiro certeiro que atravessaria seu destino, seus pés embaralharam-se e a deixou ir - o pé  direito calçado, o esquerdo abandonado na rua sem fim, e era só dela que ele desejava sair. 

seu corpo era estreito, menos de dois metros de altura, não era um homem que as mulheres tentavam não olhar, tinha lábia de mercador, mas nunca vendeu nada, era compulsivo em comprar, pensava ter poder quando da carteira tirava duas notas e levava o desejado. engravidou uma menina, seria o pai que nunca teve, mas no segundo mês ela perdeu o bebê, de sua família era o terceiro filho de quatro, torcia para o flamengo, mas quase não assistia um jogo. quase não tinha sonho, na noite pálida saía para usar aquilo que te causava vida, não dormia, não sonhava, sentia-se forte em cada tragada.

na vergonha, a qual não era mais sua, corria na noite escura, os olhos quando imergido por tanto tempo ali se acostumara com a escuridão e atravessava-a como quem andasse na plena luz do meio dia, ouvia os conselhos de seu irmão você devia correr um pouco, te espero domingo de manhã, vamos jogar bola junto? agora correndo, ao ponto de seu corpo rejeitar os passos, do joelho fraquejar, o estomago embrulhar como quem dava presente a alguém, o suor no pé grudava na sandália, na única que restara, o desnível forçava a lançá-la fora.

todo dia morre alguém no seio daquela rua, toda noite alguém nasce morto naquela rua, tem um grito abafado e ali fazem coisas que a gente diz que não se pode fazer, é porquê quando se enxerga a morte não se analisa o comportamento, a luta pela sobrevivência - até mesmo para aqueles que dizem odiar a vida - é mais forte do que a reputação, são urros que invadem a madrugada, são lágrimas de partida e chegada, que confessam seus pecados e caçam no relógio mais segundos para causar sua própria revolução.

corria descalço, e a voz do pai sondava a alma e na noite ecoava, lhe porei novas sandálias. 

volte para casa.  


- oes

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